Um dia você sente o cheiro daquela mobília conhecida, daquela sala conhecida, que tem quadros conhecidos, que já se observou tantas vezes e que tem sempre algo novo para observar, quadros lindos, antigos e com valor inestimável.
Um dia você sente aquele cheiro conhecido de casa, casa que você cresceu, que parecia ser tão sua que não era, que parecia ser tão nossa, que parecia ser de tanta gente, que nem parecia ter dono algum.
Um dia você escuta o barulho das panelas, da colher de pau que engrossa o doce e sente novamente o cheiro da casa, descansa os olhos no sofá, e respira depois de um dia de agrados, comilança, plantas e animais, e pensa que a eternidade caberia nesse cheiro, que a eternidade deveria existir para conservar esse cheiro, esse entardecer, essas panelas que batem, essas prosas que se contam, esse amor que não se mede.
Acorda de olhos fechados e pensa que sentir esse cheiro e ainda escutar esse barulho, valem mais que eternidade e vem uma angústia de saber que um dia a cena se desfaz e resta apenas a eterna idade da lembrança. Aproveita então esse cheiro, esses latidos, esses quadros, essas panelas que batem, essas prosas que rendem e esse amor que não se explica...